Paraíba

'O que importa é o agora': mulheres recuperam convívio social em residência terapêutica, após anos de internações psiquiátricas, na PB

Por PCV Comunicação e Marketing Digital

18/05/2022 às 09:36:27 - Atualizado há
No Dia da Luta Antimanicomial, o g1 compartilha histórias de oito mulheres que recuperaram o convívio social e o direito à cidade, por meio de políticas estabelecidas pela reforma psiquiátrica. Residência terapêutica Nosso Lar fica localizada em João Pessoa

Luana Silva/g1

Oito mulheres vivem em uma residência terapêutica, em João Pessoa, após terem passado mais de 20 anos em hospitais psiquiátricos. O ambiente faz com que eles recuperem o convívio social. Na capital paraibana, há três dessas moradias, que fazem parte das políticas da luta antimanicomial, movimento celebrado nesta quarta-feira (18).

Na residência terapêutica Nossa Casa, criada em 2007, vivem Maria Conceição da Silva, Maria Lourenço da Silva, Teresa Maria da Silva, Maria do Carmo Livramento da Silva Alímpio, Maria Aparecida da Silva, Alexandra da Silva, Sandra Caetano de França e Creusa dos Santos Andrade. Além das oito mulheres, há a presença de duplas de cuidadoras 24 horas por dia.

Além disso, há a visita diária da técnica de referência Thaís Munholi, que explicou ao g1 que o objetivo da casa é ser um verdadeiro lar. “É um lugar de morar, uma casa! Então, quando precisam de algum atendimento, usamos a rede de saúde e assistência social, e algumas frequentam o Caps. A ideia é que as moradoras tenham o máximo de autonomia possível”.

As moradoras participam de atividades recreativas, fazem caminhadas com as cuidadoras, cada uma tem uma parte individual nos armários, onde guardam os itens que escolhem comprar - maquiagem, roupas, perfumes, etc.

Além disso, participam das decisões coletivas, como a votação pela adoção de um gatinho que foi jogado no quintal. A maioria votou “sim”, e o novo amigo ganhou até um nome, Chaninho. Hoje, ele adora sentar debaixo da mesa na hora das refeições, brincar no quintal e pedir carinho às moradoras.

Gato foi adotado pelas moradoras da residência terapêutica, em João Pessoa

Luana Silva/g1

Enfeitando os dias

Sandra de pé, exibindo seus tapetes, ao lado de Conceição

Luana Silva/g1

Sandra quis se arrumar para receber a visita do g1. Passou perfume, vestiu um conjunto estampado com flores amarelas e escolheu um batom verde. “Veja aqui se eu não tô cheirosa”, pediu ela, que é a mais simpática e carinhosa da casa. O verde foi, inclusive, o tema escolhido para seu aniversário.

A mulher de 63 anos não fala muito sobre a família, mas se lembra dos anos em que passou internada. “Meus braços viviam todos machucados, eu estava magrinha”. Hoje, ela entrelaça lembranças do passado, com a tranquilidade do presente, em tapetes artesanais que confecciona, utilizando a técnica do fuxico ou por meio de tiras de tecido. Obras estas que a artista exibe orgulhosa, na mesa da sala de jantar. “Quero trabalhar, costurar fuxico, tenho quatro tapetes ali. Quer, doutora, ver?”, perguntou.

Sandra conta que ainda não sabe fazer outros tipos de artesanato, mas não descarta a possibilidade de aprender. “Eu só não sei fazer ainda tricô, crochê e bordar, mas se uma pessoa me ensinasse era tão bom, não era?”.

De acordo com Thais Munholi, Sandra passou mais de 20 anos em hospitais psiquiátricos da capital, e que, mesmo sendo a mais carinhosa da casa, relata ter sido, por diversas vezes, trancada em ambientes com grades, destinados a pacientes que apresentam agressividade.

Uma das cuidadoras, Cícera Furtado, descreve a moradora como uma pessoa carinhosa, que “ama abraçar e dar cheiro”, só não gosta que mexam em suas coisas. “As outras meninas não podem tocar nas coisas dela. Ela é muito cuidadosa, ela tem a chave da sua parte do armário, toma banho e se veste só”.

Saudade na dormida e na andada

Alexsandra (de laranja, ao fundo) sente saudades do irmão

Luana Silva/g1

Alexsandra de 42 anos é a mais nova da casa, em idade e em tempo de moradia. Antes de chegar na residência, há um ano, ela passou por diversas internações, antes morava em Bayeux, na Grande João Pessoa, com um irmão. Atualmente, a moradora só tem contato com uma tia e com um sobrinho, e pergunta diariamente pelo irmão que, segundo ela, se chama Petrônio.

Thais relata que Alê, como é carinhosamente chamada, chega a ficar triste esperando por uma visita. A equipe vem empenhada nesta busca, mas, até o momento, a única presença do irmão que Alexsandra tem é uma foto dele com a tia, cuidadosamente guardada em seu armário.

A terapeuta conta que o aniversário de Alexsandra é em junho, e o tema será as festas juninas. O maior presente seria aliviar a saudade do familiar, como ela faz questão de falar todos os dias.

“Saudade do meu irmão, todo dia sinto saudades dele, todo dia chamo ele, na dormida e na andada”.

Sobre a residência, Alexsandra parece gostar da privacidade. Ela exibe o quarto que divide com Aparecida e mostra sua parte do armário, o perfume que gosta e outros itens pessoais. Ela citou também a questão da privacidade com relação ao banheiro, algo que, de acordo com Thais Munholi, é uma das dificuldades que as pessoas enfrentam em hospitais psiquiátricos.

“O que importa é o agora”

Creusa brincando com Chaninho, o gato de estimação da casa

Luana Silva/g1

Creusa passou horas sussurrando frases, até que, quando questionada sobre suas memórias, respondeu prontamente: “o que importa é o agora”. Moradora da casa desde 2007, a mulher de 73 anos não fala muito sobre o antes, apesar de receber visitas de uma ex-enteada. Sentada confortavelmente no sofá, ao lado do gato Chaninho, ela mostra que vem construindo e sendo lar, à sua maneira.

Quem faz companhia a Creusa, gastando a tarde em uma das cadeiras de balanço é Maria do Carmo Livramento, conhecida como Lili. A idosa de 79 anos chegou na residência sem documentos, mas lembra o nome da cidade onde nasceu e viveu parte da vida, Pedra Lavrada. Apesar de falar pouco, Lili gosta de sorrir e, como diz a cuidadora, "traquinar", ou seja, brincar.

Lili sorrindo, à direita, ao lado de Thaís que olha para Sandra

Luana Silva/g1

À pedido da técnica de referência, Ló, como é chamada Maria Lourenço, de 69 anos, mostra cada cômodo da casa, inclusive o gato de estimação. Ela não fala muito sobre memórias passadas, o seu foco é o futuro: já garantiu o vestido e os acessórios para o São João que está chegando. De unhas pintadas, com anéis e colares, Lourenço se enfeita e sonha como quer.

Em um dos quartos, descansa Teresa. De acordo com Cícera, a mulher de 74 anos, quase não fala, mas recebe visitas de um irmão. Em outra ocasião, duas cuidadoras da casa a levaram na casa desse irmão, que fica em Alhandra. No outro quarto, descansa também dona Aparecida, de 63 anos. A mulher baixinha, de cabelos brancos, ainda tem contato com dois irmãos e uma sobrinha.

No terraço, Conceição tira o seu cochilo da tarde em uma das cadeiras. A mulher de 81 anos não recebe visitas de familiares, mas segundo Cícera, tem dias que acorda chorando com saudades da mãe. Na residência terapêutica, Conceição recupera os anos: ama comprar maquiagens e esse será o tema do aniversário dela, que deve acontecer em poucos dias.

As residências terapêuticas

Exposição durante a Conferência Municipal em Saúde Mental

Thaís Munholi/Arquivo pessoal

A luta antimanicomial atua na defesa da cidadania dos pacientes psiquiátricos, incentivando que o convívio social, associado às terapias e tratamentos farmacológicos, é um fator fundamental para a qualidade de vida das pessoas com transtornos mentais.

Com a reforma psiquiátrica no Brasil, que teve início na década de 90, os atendimentos psiquiátricos passaram a ser nos Centros de Assistência Psicossocial (Caps). Os pacientes são inseridos em diversas atividades e voltam para casa no fim do dia.

Contudo, muitas das pessoas que viveram em hospitais psiquiátricos perderam o contato com a família e, em muitos casos, não podem ser recebidas. Para suprir essa demanda, as residências terapêuticas foram criadas, com o objetivo de desinstitucionalizar essas pessoas, estimulando o senso de pertencimento, privacidade e subjetividade e, ao mesmo tempo, da vida em comunidade.

A administração fica por conta das secretarias municipais de saúde. As moradoras são assistidas pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), contam com o apoio de duplas de cuidadoras que trabalham por plantões e participam de diversas atividades ao ar livre, como explica Thaís Munholi.

“A rua, o shopping, o banco, as bodegas, o posto de saúde, os supermercados, as feiras, as praias, as pousadas, o salão de beleza, as casas de amigas, o Espaço Cultural e tantos outros têm sido lugares de viver a vida, porque ninguém aguenta mais ficar mofando em casa, como Lourenço nos lembra!”.

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Fonte: G1/PB
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