Saúde

Professor da UFMG usa 'jeitinho brasileiro' de fazer ciência e é destacado pela 'Nature'

Por PCV Comunicação e Marketing Digital

28/11/2020 às 08:30:47 - Atualizado há
Revista aponta Gustavo Menezes como um dos principais agentes de democratização da ciência atualmente no mundo. Professor Gustavo Menezes com microscópio confocal adaptado por ele para ver células em animais vivos.

Fernanda Torquatto

Um microscópio que foi adaptado com uma lamínula de vidro, colada com esmalte de unha, que permite ver imagens de células em animais vivos.

Um transiluminador de gel – utilizado para ver amostras de DNA –, feito com uma caixa de acrílico preta, uma lâmpada encontrada no lixo e operado por meio da câmera selfie de um celular.

Uma máquina de fazer gelo, dessas encontradas em bares, um saco e um martelo para fazer gelo em escamas.

Essas são algumas das "gambiarras" feitas pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Gustavo Menezes, utilizadas no laboratório do Centro de Biologia Gastrointestinal, no Instituto de Ciências Biológicas.

Professor Gustavo Menezes fotografado através da placa de acrílico que inventou e é uma das principais adaptações do microscópio confocal para que ele possa visualizar células de animais vivos.

Fernanda Torquatto / G1

O professor vem adaptando equipamentos assim desde 2010, quando voltou do Canadá onde fazia pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Calgary. Lá ele estava acostumado com aparelhos de ponta, mas sabia que, ao voltar para o Brasil, teria que dar um jeito de manter o padrão de suas pesquisas mesmo com uma verba bem menor.

As adaptações feitas no microscópio permitiram que ele custasse cerca de R$ 150 mil, em vez de R$ 2 milhões. O transiluminador convencional saiu por pouco mais de R$ 70 e é encontrado no mercado com valores que variam de R$ 8 mil a R$ 43 mil, dependendo da facilidade de manuseio.

Imagem de uma sequência de DNA iluminada feita pelo transiluminador adaptado utilizando a câmera selfie de um celular.

Fernanda Torquatto

As máquinas de fazer gelo em escamas encontradas em laboratórios de pesquisa, custam de R$ 14 mil a R$ 15 mil. Uma que faz o gelo convencional sai por R$ 5 mil e só precisa de um pouquinho de força pra quebrar as pedras com um martelo.

Pesquisadora Hortência Oliveira retirando gelo da máquina para transformá-lo em gelo em escama, utilizado em vários processos no laboratório.

Fernanda Torquatto

Para Menezes esse “jeitinho brasileiro” é alternativa para as dificuldades financeiras, mas não só isso:

"Muitas vezes, para fazer ciência de ponta, o cientista tem que inventar os próprios métodos. O problema, às vezes, não é a falta de dinheiro. Existem perguntas que eu tenho na cabeça, mas que não tem métodos existentes para resolvê-las. Às vezes, a ciência caminha num grau tão alto de novidade que é superior à capacidade de a indústria criar mecanismos. Eu não posso esperar uma fábrica criar o que eu preciso, então eu vou lá e construo”.

As adaptações levaram o professor a ser um dos destaques de uma reportagem da revista "Nature" neste mês de novembro, sobre pesquisadores que estão usando o método conhecido como do-it-yourself, ou seja, “faça você mesmo”, utilizando a criatividade para democratizar o acesso à ciência no mundo.

Essa não foi a primeira vez que o professor teve seu nome estampado na prestigiosa revista. Ele já publicou uma vez com um trabalho individual e outras quatro em trabalhos realizados em parceria com outros pesquisadores.

“Publicar na 'Nature' é bom, mas ser publicado é melhor. Nunca imaginei nos meus maiores sonhos que ia abrir a Nature e ia ver o meu nome”, disse o professor que afirma ter ficado satisfeito de o primeiro nome citado na reportagem ter sido de um brasileiro.

Para Gustavo, parte da dificuldade que o Brasil tem no avanço na ciência, na economia, nas questões sociais, vem da ideia de que o brasileiro não é bom o bastante. “Essa crença acaba impedindo algumas pessoas de realizar grandes feitos. Quando a 'Nature' faz uma reportagem e o primeiro entrevistado é um brasileiro, um servidor público, que nasceu em Ipatinga, essa alcunha de que brasileiro não faz nada cai por terra”.

A publicação individual de Gustavo na revista foi justamente o passo a passo para adaptar um microscópio confocal convencional para que ele possa ser capaz de visualizar células em animais vivos.

As adaptações principais (veja no vídeo abaixo) são a eliminação do sistema de movimentação digital com um joystick e substituição por uma alavanca manual; a retirada do sistema de enxergar as imagens com os olhos – já que o que importa mesmo é a imagem transmitida para a tela de um computador e, a principal: a substituição de um sistema de aquecimento do animal com uma cerâmica que tem um orifício específico para a luz passar, pela plaquinha de acrílico colada com esmalte – que custou R$ 3 – e permite a acomodação do animal vivo, com uma lâmpada de infravermelho que o deixa bem quentinho.

Professor Gustavo Menezes explica modificações no microscópio que chamou atenção da Nature.

E quando o normal seria que ele escondesse a técnica ou criasse uma patente, o professor da UFMG explicou o passo a passo em texto, fotos e vídeos.

A ideia era mesmo disseminar o feito e ele conseguiu. Hoje os laboratórios da Fiocruz de Belo Horizonte e Rondônia, a USP de Ribeirão Preto e o setor de neurologia da Harvard Medical School já adaptaram microscópios para conseguir visualizar células em animais vivos utilizando as orientações do professor mineiro. A UFRJ e a Universidade de Yale serão as próximas a ter microscópios adaptados. Além das orientações, o professor viaja para os locais de pesquisa para prestar assistência na montagem e operação dos aparelhos.

A adaptação do microscópio fez com que o laboratório da UFMG se tornasse primeiro Centro de Excelência da Nikon no país e o segundo no hemisfério sul, já que existe um menor na Argentina. Isso quer dizer que, além de consumir tecnologia, os pesquisadores mineiros também são produtores de tecnologia. Por isso, o laboratório conta hoje com um outro microscópio, subsidiado pela empresa, que no mercado custa cerca de R$ 2 milhões e, segundo o professor, é o melhor do mundo para fazer imagens de animais vivos.

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Gustavo Menezes, operando microscópio de dois milhões de reais.

Foto: Fernanda Torquatto

"Tem gente que ficou anos pra fazer um única imagem pra acabar uma tese de doutorado, vem aqui e consegue em 20 minutos. Tem gente que já veio da Argentina, do Chile, do Rio".

Por ser um equipamento de altíssimo valor, o mais comum é que somente os pesquisadores mais experientes ou técnicos tivessem acesso a ele. Mas, na UFMG, alunas como a Hortência Oliveira, de 24 anos, tem acesso livre ao microscópio. Ela sabe que essa não é a realidade de muitos pesquisadores.

“Nós somos muito privilegiados, principalmente pelo fato de a gente ter contato com isso todos os dias, não ter nenhum empecilho pra usar, porque isso acontece em outros laboratórios aqui. Desde que eu entrei aqui ninguém disse que eu não poderia usar, ou porque era muito caro ou porque não acreditaram que eu conseguiria manusear. A gente fica um pouco insegura no início, mas isso tudo passa a ser nada a partir do momento que as pessoas que estão aqui a mais tempo e sabem usar te deixam confortáveis. É um problema se estragar uma coisa aqui, mas os equipamentos nunca foram mais importantes que a gente aqui no laboratório”.

Para o professor Gustavo, quando equipamentos de alta tecnologia como esses são disponibilizados para que os alunos usem é a mesma coisa de tornar acessível um carro de Fórmula 1 a um piloto de kart – e assim a ciência avança cerca de 20 anos.

Gustavo sabe que o trabalho dele contribui com a democratização da ciência, mas não espera reconhecimento agora.

"O processo de modificação de uma nação leva décadas. Não tenho nenhuma expectativa de ver resultado hoje. Mas tenho certeza que, se hoje eu faço, é porque tem alguém antes de mim que fez e isso vai impactar a vida muitos brasileiros um dia".

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Fonte: G1/PB
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