Saúde

Vermífugo apontado pelo Ministério da Ciência para tratamento da Covid não reduz risco de morte nem desfechos graves, analisam especialistas sobre estudo

Por PCV Comunicação e Marketing Digital

23/10/2020 às 13:18:55 - Atualizado há
O artigo foi publicado, ainda sem revisão dos pares, em uma plataforma de estudos médicos nesta sexta-feira (23). Um artigo do estudo sobre o uso do vermífugo nitazoxanida em pacientes com a Covid-19 anunciado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação no começo da semana foi publicado nesta sexta-feira (23). Após analisarem a publicação, especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que medicamento não atende aos objetivos principais do tratamento, como redução dos desfechos graves e risco de morte.

"O objetivo principal do estudo, reduzir mortes e sintomas graves da Covid-19, não foi alcançado. Foi apresentado apenas um objetivo secundário, de que o medicamento é capaz de reduzir a carga viral. Isso, na prática, não resolve o problema do coronavírus", afirmou o epidemiologista Paulo Lotufo.

O infectologista Alberto Chebabo, que também leu o artigo, avalia que o medicamento não foi capaz de reduzir sintomas graves da Covid-19.

"O artigo não demonstrou que a nitazoxanida seja capaz de reduzir risco de morte ou desfechos graves, como necessidade de oxigênio e evolução para respirador mecânico. Apenas diminuiu a ocorrência de febre e baixou a carga viral. Isso é muito pouco para a gravidade da doença", afirma Chebabo.

O artigo com os resultados foi publicado em versão pré-print na plataforma medRxiv e segue em avaliação por uma revista científica. De acordo com a publicação, a nitazoxanida reduziu a carga viral em pacientes com sintomas leves e diminuiu a febre.

"É um trabalho bem feito, que mostra que o medicamento tem uma atividade antiviral, que foi a de reduzir os a carga viral do paciente, mas não sabemos o que isso quer dizer na prática, precisa de mais investigação. Não dá para afirmar que diminuiu risco de contágio somente por diminuir carga viral e que não precisa mais fazer isolamento", explica Chebabo.

Voluntários receberam kit com nitazoxanida para estudo clínico em Bauru, uma das cidades que participou do estudo do Ministério.

Alisson Negrini/TV TEM

O estudo foi coordenado pela pesquisadora Patricia Rieken Macedo Rocco, que participou da cerimônia do governo federal de divulgação da pesquisa.

Gráfico sem dados

Na segunda-feira (19), o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, junto com o presidente Jair Bolsonaro, anunciaram a conclusão do estudo em questão e apenas disseram, sem mostrar dados, que o medicamento apresentou "resultados positivos".

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Sem dar detalhes dos resultados ou apresentar a íntegra do estudo, o governo informou que os testes clínicos com voluntários mostraram que o medicamento reduziu a carga viral quando foi tomado em até 3 dias depois do início dos sintomas.

Segundo o governo, o trabalho havia sido submetido para a análise de uma revista científica e, por isso, o ministério não pode dar detalhes dos resultados.

Durante a cerimônia, o governo apresentou um vídeo que mostra a trajetória da pesquisa. Nele, os organizadores exibiram um gráfico sem dados, idêntico ao disponível no serviço de banco de imagens ShutterStock.

As imagens são exibidas quando o narrador afirma que "a missão dada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação foi cumprida" e "o resultado comprovou de forma científica a eficácia do medicamente na carga viral."

Tela de vídeo apresentado na cerimônia do Ministério da Ciência e Tecnologia. Base e dados são idênticos ao disponível na agência ShutterStock.

Reprodução/TV Brasil

Abaixo, a imagem disponível no banco de imagens:

Gráfico comercializado pela ShtterStock e que é idêntico ao usado em cerimônia do Ministério da Ciência e Tecnologia para mostrar eficácia de vermífugo contra a Covid..

Reprodução

Procurado pelo G1, a assessoria de imprensa do MCTIC informou que "o gráfico usado no vídeo apresentado no evento de anúncio dos resultados dos ensaios clínicos com a nitazoxanida não faz parte dos dados do estudo e aparece apenas de forma ilustrativa".

Medicamento com receita

A nitazoxanida é um medicamento utilizado no país pelos nomes comerciais Azox e Annita e faz parte do grupo dos antiparasitários e vermífugos. O remédio também tem ação antiviral e é receitado em casos de rotavírus.

Para evitar automedicação, a droga passou a ser vendida apenas com prescrição médica em abril deste ano. Entretanto, uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 1º de setembro retirou a exigência de retenção da receita. O medicamento contendo nitazoxanida, disponibilizado comercialmente, não tem a indicação para o coronavírus, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

1,5 mil voluntários

Segundo o ministro, mais de 1.500 voluntários de sete cidades do Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro participaram do estudo clínico. Eles foram divididos em dois grupos: um tomou a nitazoxanida e o outro tomou um placebo. Segundo o governo, o grupo que recebeu o medicamento, um vermífugo, apresentou diminuição da carga viral.

"Ele [nitazoxanida] é de baixo custo, não tem efeitos colaterais importantes" afirmou Pontes. "A nitazoxanida não pode ser usada para fazer prevenção [da Covid-19]", complementou o ministro.

O presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michele Bolsonaro, participaram da cerimônia de apresentação das primeiras conclusões da pesquisa.

"Houve uma redução significativa da carga viral neste grupo", afirmou a coordenadora geral do estudo, Patrícia Rieken Macedo Rocco, chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Fonte: G1/PB
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