Paraíba

Movimento de hip hop na Grande João Pessoa denuncia mortes de três MC's em uma semana

Por PCV Comunicação e Marketing Digital

09/08/2020 às 10:33:12 - Atualizado há
Em meio à pandemia de Covid-19, agentes e ativistas culturais de João Pessoa denunciam mortes e temem perseguição. Depois de três MC's morrerem em uma semana, sendo dois deles assassinados, o Hip Hop da PB resiste

Roan Nascimento/Arquivo Pessoal

"A paz nunca existiu pra gente e nunca vai existir. Eu peço é luta", disse Yakuza, ativista cultural, rapper e membro da Batalha do Coqueiral, em João Pessoa. A fala do jovem reflete o sentimento de indignação que toda a comunidade e movimento do Hip Hop, Slam e Rap paraibano estão passando. Em menos de uma semana, três MCs de João Pessoa foram mortos, sendo dois deles assassinados.

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Participantes de evento de rap em João Pessoa denunciam agressões de policiais militares

De acordo com a Polícia Civil, no dia 24 de julho, o corpo de Johnatan Felipe, conhecido como Jhonny, que estava desaparecido em Santa Rita, foi encontrado com marcas de tiro na cabeça e tórax, sinais de tortura, amordaçado e com os braços amarrados, no Bairro das Indústrias. Dois dias depois, em 26 de julho, Gacsiliano Leite Lima, Gacs MC, levou 9 tiros no Castelo Branco.

Ainda segundo a Polícia Civil, mais detalhes não podem ser dados. Apesar disso, informa que os assassinatos estão sendo investigados pela Delegacia de Homicídios de João Pessoa.

Já MC Loco, Mezak Queiroz, foi atropelado e sofreu uma parada cardíaca na mesma semana. Ele também estava desaparecido, segundo informações de pessoas de dentro do Movimento Hip Hop da Paraíba, que preferiram não serem identificadas nesta matéria.

Perseguição da cultura e marginalização da juventude

Desde 2019, participantes de eventos de rap em João Pessoa denunciam intervenções violentas da Polícia Militar. As batalhas e slams são eventos comunitários de música e arte, feitos de forma gratuita em praças públicas, que ganharam força na capital da Paraíba principalmente nos últimos dois anos.

Um dos participantes desses eventos da cidade procurou o G1 e pediu para ter sua identidade preservada. Ele relata que ameaças sempre aconteceram, mas o movimento, organização e participantes dos eventos não tiveram ideia da dimensão do problema até então. Ele afirma que essas violências, incluindo os assassinatos, podem estar ligadas a milícias que atuam dentro da Região Metropolitana de João Pessoa e disputam o controle de bairros e comunidades.

Este mesmo jovem fugiu da cidade, por medo da perseguição. Hoje, ele está longe da Grande João Pessoa. "Existe um medo hoje de vários membros de batalhas dentro das periferias e muitas delas estão fazendo a mesma coisa que eu fiz, estão saindo da capital (...) A gente tá tentando se eximir, ficar vivo, pra não acabar nossa história, pra gente continuar fazendo nossa revolução com nossa cara".

"Às vezes o único tipo de cultura que tinha era o paredão tocando putaria, tocando ostentação. Talvez seja por isso que a gente tá ameaçado, por tá pautando um mundo diferente, onde o cidadão olha um pra cara do outro e reconhece um irmão; uma irmã; um trabalhador; uma trabalhadora explorada que passa necessidades. Essa é nossa punição. Nós estamos morrendo por levar cultura e ser militantes de um mundo melhor", desabafa.

O rapper e ativista cultural Yakuza não acredita que os assassinatos possam estar ligados a grupos específicos, mas sim a uma violência e racismo sistemático, que coloca jovens em situação de marginalização. "O Estado é responsável pela marginalização da gente. Sempre fizeram isso e mais, eles criminalizam nossa cultura, não só o rap, como toda a cultura de rua".

Gacs MC fazia parte do grupo Castelos da Mente e era ativo na Batalha do Castelo, no bairro do Castelo Branco, em João Pessoa. Já Johnny morava na cidade de Santa Rita e ajudou a construir a Batalha da Lagoa, uma das primeiras da Paraíba. Yakuza, que tinha ligação próxima com ambos, lembra dos dois artistas com carinho. "Me falaram semanas antes que queriam sobreviver do rap, tá ligado? Mas como que vai sobreviver do rap ou da cultura aqui na Paraíba? Não tem como, né".

O rapper afirma que esta é a situação de muitos jovens das periferias do estado, que sem oportunidade acabam escolhendo caminhos divergentes da arte, e é justamente isto que as batalhas feitas em praças públicas tentam combater. Os eventos são comunitários e seus participantes são agentes de resistência ativos dentro de seus bairros, praças e comunidades, que buscam tirar jovens dessa situação de marginalização, apresentando possibilidades e caminhos através da cultura.

Batalha do Coqueiral, em João Pessoa. Antes da pandemia, evento reunia jovens na Praça do Coqueiral, em Mangabeira, com atrações musicais e artistícas

Roan Nascimento/Arquivo Pessoal

Ele ressalta que esta não é a primeira vez que tragédias atingem a comunidade. Yakuza lembra de outros companheiros do movimento mortos em João Pessoa, como Playsson Mc, Yuri Dayvison e Pablo Escobar - nomes que resistem.

"O hip hop, o rap, luta contra isso. Contra esse estado genocida aí que só morre os nossos e a gente sofre essa repressão justamente por causa disso, porque eles sabem o papel da gente aqui e eles não querem que a gente faça isso né... que a gente informe a sociedade, a periferia, a rua, do jeito que a gente consegue informar tão bem pelas letras, pelo diálogo e pela vivência que é igual."

O Hip Hop fala

Um documento assinado por diversos movimentos, coletivos e partidos, de dentro e fora da Paraíba foi divulgado nesta quinta-feira (6). A nota denuncia o tratamento e as violências que a população preta de favela está passando na Paraíba, em meio à pandemia de Covid-19. Além disso, o manifesto ressalta as atuações violentas que aconteceram em algumas batalhas da cidade e reafirma uma possível intenção de desestruturar e desarticular o movimento do Hip Hop Paraibano.

O documento é um pedido de atenção e ressalta que estão sendo alvos de violência os organizadores, MC"s, poetas e todos que estão envolvidos em batalhas de rap e slams da cidade de forma ativa.

O G1 procurou o Ministério Público da Paraíba (MPPB), para saber se as denúncias feitas pela nota estavam sendo apuradas, mas até a publicação desta matéria, nada foi informado.

Apesar disso, o movimento não está sozinho. Junto a ele, mais de 80 instituições e grupos de 6 estados diferentes assinam a nota e prestam solidariedade a todos os participantes de batalha, slams e do hip hop paraibano, que seguem em luta pela cultura da Paraíba.

"Nosso inimigo não é apenas o invisível, ele é também visível e trabalha para o Estado que nos genocida todos os dias. Neste cenário de violências e desvalorização da vida do nosso povo preto e favelado, três MC's, dois pais, todos filhos, dentre eles um com apenas 18 anos foram mortos", diz a nota.

*Sob supervisão de Krys Carneiro
Fonte: G1/PB
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